Wednesday, March 03, 2010

Passeio

Eu caminho pela rua. Ela tem cheiro e gosto.
Os olhares me atravessam e nem sei se são tão interessados ou tão genuínos.
São apenas olhares.
Por trás de seus óculos, de seus carros do ano.
Em seus caminhares descalsos, sujeira da vida.
Sugo os olhares de vida, de barbas e cabelos.
Brincos e coxas bonitas.
Minotauros e ciclones.
Simpatizo com cabelos esticados por ferros e calor.
"Faça uma escova e ganhe uma hidratação tailandesa".
Não, não simpatizo. Apenas comungo com as súplicas dos olhares ofuscados pelas luzes, pelos motores da minha cidade.
Eles não sabem que vão precisar de lentes intraoculares para ver o que finjem não ver hoje.
Aquilo que camuflam em seu caminhar solto, torto.
Chamas da noite que parecem não se esgotar nunca.
Caminho pela rua e sorrio com os olhares interessados.
Não, não simpatizo com os olhares interessados.
Eles são fugazes. Intensos e fugazes como um sonho bom.
Mas sorrio, com meus sonhos e meu caminhar desajustado.
Minha pele que é leve e grossa.
Meus ossos cansados.
Caminho sorridente por espaços que pertenço, essa sujeira que abomino e essa ignorância que me torna irremediavelmente inconformada.
Mas simpatizo, com certa piedade, com o caminhar e as luzes e a sujeira e as súplicas de prazer imediato.
Simpatizo com os cabelos esticados e os olhares mendigos.
Somos todos mendigos nessa noite suja.
Mendigos de olhos e de sentidos.
Intensos e fugazes, como um sonho bom.

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