Saturday, May 30, 2015

Sobre a morte ou Sobre o que não se sabe

Sua bisavó morreu. Tinha 78 anos. Você, 3 e meio.
Você não sabe, mas essa distância significava bem pouco. 
Você a abraçava, brincava e ela sorria, feliz, só de ouvir sua voz. 

Como se naqueles poucos segundos, sua dor passasse. Ela sorria, alegre.Você não sabe, mas participou do velório, do cortejo, do enterro.Num parquinho.Enquanto todos choravam a perda, a saudade. 


Você brincava com terra, no escorregador, na gangorra com seus primos.
Você sorria tão feliz.
Você não sabe, mas chorei por você.
Chorei sua saudade, sua perda.
Chorei porque foi a primeira vez que você perdeu alguém que ama.
Você não sabe, mas não vai mais brincar com a vó bisa.
Não vai fazer aquela brincadeira do bule que só vocês faziam.
E uma das últimas vozes que ela ouviu foi a sua, em uma mensagem que gravamos: “Essa é uma mensagem de eu: fica boa logo, bisa.”
Chorei lágrimas sinceras e profundas porque não poderei chorar suas lágrimas no futuro. E sei que elas virão.
Porque você vai chorar de saudade como todos nós, humanos.
Sentirá a inevitável dor da perda de alguém que ama.
Chorei porque não saberia explicar o porquê que, certamente, você me perguntaria.
Eu, que sempre te explico tudo, não saberia te explicar.
Chorei minha dor também. Chorei minha saudade das pessoas que tanto amo e que não estão mais comigo.
Chorei porque não sei se viraram estrelas.
Não sei.
Chorei porque não sei se quero que você acredite no que eu não sei se acredito.
Não quero te convencer de nada.
Você me perguntou onde estava a vó bisa e não respondi.
E chorei o silêncio de uma resposta que seria tão importante pra você.
Chorei a falta de uma resposta. Porque não terei todas elas.
Chorei seu choro, meu filho.
Chorei a frágil humanidade que, finalmente, enxerguei em você.

Tuesday, May 05, 2015

Congelei

Congelei.
Congelei este instante em forma de oração e reverência.
Reverencio, neste exato instante, todo o significado do que vejo.
Porque, veja também: isto não é uma simples poça e um simples salto de criança.
Isto é toda uma existência.
O exato momento em que toda e qualquer ação ou palavra devem ser contidas:
“Cuidado, vai escorregar!”
“Assim você vai se sujar!”
“Eca! Que nojo dessa lama!”
(pensou algo assim, ao ver a imagem?)

Pausa.
Silencio e observação.
(talvez um sorriso no canto da boca)

O medo da vida começa quando somos, na infância, impedidos de tentar.
O medo de encarar os desafios da vida começa quando, na infância, somos impedidos de falhar.
O distanciamento da natureza começa quando, na infância, somos impedidos de mergulhar nas lamas e areias e águas e matos que nos cercam, tão convidativos, em atração ao nosso mais profundo ser: puro e natural.
Sim, ser humano cai. Se machuca. Erra.
Sim, ser humano pode se reerguer, retentar, refazer, recomeçar.

Basta que a ele seja dada, na infância, a oportunidade de se descobrir potente.
Basta que a ele seja concedido o silêncio.
Que o libera para conhecer seus limites.
Escolher seus caminhos.
Experimentar sua força.

Para não paralisar, adulto, diante de mágicos instantes como este e desviar, amedrontado, escolhendo caminho mais seguro.
Para não desistir, derrotado, das aventuras e desafios da vida.

O que acontece na infância, não fica na infância.

Saturday, April 04, 2015

Chuva



Em dia de chuva, bota no pé.

Sonhos e fantasias na cabeça, que movimentam todo seu delicado - e não menos potente - corpo de criança.


Ele voa.



Parto não é obsceno




Parir é amor vertendo em vida, sangue e lágrimas.




Contrários

A tinta é melhor na pele do que no papel.
No pé não aceita chinelo.
Da manga come a casca.
O cabelo só lava vez ou outra.
Macarrão frio é desjejum.

Algumas de suas incursões ao mundo dos contrários.
Porque a vida é bem mais rica e divertida com transgressões.
Quebrando regras, buscando o improvável, rebelando-se contra o que "deve ser".
Que assim siga e seja.

Ouvir

De minha mesa de trabalho, ouço passarinhos.
São tantos!
Uns mais agudos, outros mais intensos. 
Tenho exercitado o escutar: com um pouco de treino, outros sons aparecem, parecem saltitantes. 
Sempre estiveram lá e eu não conseguia mais ouvi-los.
Um avião passou.

As teclas do computador.
Uma abelha.
Daqui, de minha mesa de trabalho, sinto a natureza tão próxima, que faço uma breve pausa, alguns minutos, pra respirar. Pra ouvir.
E pra agradecer (ainda mais) por esse encontro.
Porque, de presente, ganhei a chuva.

A poesia fugiu de mim




Certa noite a insônia me encheu de poesia. 
Quando acordei, percebi: nada!
Nada havia sobrado de minha viagem, aquela que fiz por entre as vidas e vidas e ondas em tons claros e brilhantes da beleza que habitou em mim, por uns instantes.
Pensei que não queria perder a poesia na minha vida.
Não queria perder o brilho do sorriso do olhar.
Aquele de quando se vê passarinho solto ou vagalume ou filho pulando a brincar.
Ou quando se ouve Aretha Franklin numa tarde chuvosa.
Tem gente que oferece poesia de graça. Abre o olho, fala oi e a poesia lá está, a exalar do peito em assovio rimado.

As frases vinham e eram lindas e pensei que queria todas elas eternizadas no papel.
Eu mentalizava e memorizava cada estrofe e rima e ficava feliz a cada nova frase que chegava do infinito, como um presente de uma deusa que me olhava e sorria, me inundando de universo.


Pra mim a poesia vem de fora.
Como uma fonte potente de energia que me carrega, me leva pra um lugar dentro de mim - veja só! - onde a poesia encontra ninho.
Acho, verdadeiramente, que todo mundo tem poesia no peito.
Mas entendo: no peito a poesia apenas habita. Ela é do mundo.
Por isso ela me escapou.
Porque voltou em preto e branco para sua morada, carregada de mim.
E, em mim, deixou a leveza de sua sutil presença.

Tuesday, March 17, 2015

2015 de mãos vazias

2014 começou triste
buraco no peito eu tinha
tristeza no coração
sem saber se queria fugir e ficar sozinha
mas sozinha não sou
e os anos de solitude me mostraram que bom mesmo é coração cheio de gente e alegria

fiquei
com medo fiquei
e segui em frente olhando para os lados e para trás – como de costume
olhando ao redor, me procurando e não me vendo em lugar nenhum

mas a vida tem dessas
me esvaziou pra eu aprender a me preencher
de sei lá o quê, pensava
o que é que quer essa tal de eu?

e meu olhar foi mudando
artigo feminino com letra maiúscula me tornei
A mulher nasceu – ou tem nascido um pouco a cada dia?
olhos abertos para as dores da vida, para as injustiças, para a luta.

foram 3 anos de trabalho de parto pra Eu nascer
achei que tivessem sido aquelas 20 horas até ele sair de meu ventre e trazer consigo o choro entalado dos último 34 anos
mas não

(a vida também tem dessas de deixar a gente pensar que sabe de alguma coisa)

me agarrei a sonhos bons
quis fugir menos

assisti à minha vida como num filme, observando cada cena
cada momento, cada porquê
pausando para observar os detalhes, o fundo, os figurantes e personagens principais

até que a primavera chegou em mim – tem chegado, num lento e intenso processo
as decepções, as tristezas, as faltas, as dúvidas
os medos
caminham (e caminharão) comigo através das estações e estações da vida
mas sem o peso de antes
como companheiros queridos que me lembram a todo o instante de que a jornada não é sempre doce e leve
nunca desejei ser doce e leve

o tempero da minha vida está em meu jardim
minhas mãos, sujas de terra
contemplo com orgulho aqueles que foram mais difíceis de encontrar
agradeço aos que vieram de brinde cravados em meu espírito há tantas eras

o mundo é bom
o mundo é belo
eu sou de verdade

2015 não começará triste
tenho ao meu lado um companheiro de vida
em minhas asas, minha cria
caminharemos e aprenderemos
juntos
com os pés descalços
e as mãos vazias