Wednesday, December 16, 2009

Meu pai

Meu pai escreveu sobre meu blog:

"Demais o seu blog. Só me choca um pouco as sinceridades fortes e as pequenas agressividades. Mas acho que o blog é isso mesmo né? O reflexo da pessoa. E onde vc pode por tudo pra fora, comunicar... Mas mesmo assim, não se esqueça de colocar sempre algum conteúdo espiritual, bem positivo... uma frase do Dalai Lama... do Krishnamurti... sua mesmo... sei lá... Ah, é piegas, parece coisa de auto-ajuda... Foda-se quem não gostar! O que interessa é que funciona e as pessoas estão precisando mesmo. PAZ E AMOR, bicho! E falando em pensar demais, aprenda também a dar um tempo nos pensamentos. A folha em branco na verdade é que é a assência. Nos é que a rabiscamos o tempo todo. E evite falar palavrão, que é muito feio. Beijo."

Daí que penso várias coisas desse comentário. Vamos a alguns pensamentos:

Primeiro que o cara é foda (ops... palavrão não). O cara é demais. Tenho aquele lance de querer agradá-lo e querer que ele goste de tudo o que faço. E já sei faz tempo que todos os passos que dou, minhas escolhas, meus verbos, minhas perguntas, absolutamente tudo o que faço, faço para que ele me ame mais.
Emprego novo? Promoção? Ele certamente será o primeiro a saber. Viagem, estudos, idéias? É pra ele que digo, mesmo que seja ainda só um planejamento ou suposição.
Porque quero que ele me ame mais, né?
Porque quero valer a pena pra ele.
Porque meu irmão é músico, herdou o talento dele e conversa sobre acordes e harmonias e histórias do rock n' roll que eu não sei.
Porque minha irmã tem 15 anos e é linda. E sabe dizer "eu te amo" com muito mais facilidade que eu.
E eu sou essa coisa torta, inglesa demais, agressiva demais, travada demais.
E acho que ele já teve referências inglesas demais na vida dele pra saber que dessa gente é melhor manter distância.
Acho que ele vê minha mãe em mim. E daí acho que deve dar um treco nele. Tipo um arrepio mesmo.
Deve ser coisa de irmã do meio.

Mas o que eu diria a ele, se eu fosse menos torta, menos inglesa e menos travada, seria algo assim:

Sentimento e talento lançados de maneira tão sublime no universo da música, esse universo infinito e complexo que toca as pessoas com sensibilidade forte e suave, com alma limpa e liberta.
Sempre em busca da sua verdade, sua felicidade, disposto a abdicar de sentimentos tão intensos e verdadeiros, capaz de abrir mão de mundos construídos e estáveis.
O dom da transformação te pertence.
O orgulho que sinto por você é tão forte e uniforme e intenso que agora, olhando pra esse texto, me sinto limitada e até ridícula, tentando transformar em palavras sentimentos tão contínuos e permanentes. Mas prossigo, tentando me expressar.
Essa vida, cheia de segredos e surpresas, que nos colocou tantos obstáculos, vitórias e derrotas, acabou por nos mostrar nossa força e nosso poder em conduzir nosso destino.
Você me ensinou a conduzir meu destino.
Você construiu uma mulher.
De uma coisa informe, indistinta e vazia, vc me transformou numa mulher forte, com argumentação consistente e pensamento inteligente.
É verdade que me lancei no mundo sem limites, que quis experimentar todas as verdades do mundo e que me tornei um tanto agressiva.
Mas isso também aprendi com vc.
Porque aprendi que verdades só são verdades quando sentidas na pele, quando vivenciadas pelo espírito e sentidas com todos os nossos sentidos.
Eu te amo justamente pela educação que me deu.
Por ter aberto meus olhos para um mundo diferente, para ter uma concepção totalmente diferenciada, por me ter dado a capacidade de ser consciente e vivente da realidade (ou ilusão) que é esse mundo que vivemos.
Porque dentro dessa realidade, eu me enxerguei diferente.
Porque sinto que minha parcela de contribuição pode ser infinitamente maior do que é esperada de mim, como simples grão de areia no universo.
O que quero é justamente lançar um olhar amoroso a tudo ao meu redor e me certificar (e a todos que passarem pela minha vida) de que o mundo é mesmo bom.
Você é minha referência, meu impacto, meu primeiro pensamento a cada novo passo que a vida me proporciona.
Seu papel, seu peso, vão repercutir por todo o infinito, para mim e meus filhos, netos e bisnetos.
Sua essência permanece e permanecerá viva e dela necessito para continuar sendo a mulher que me tornei.
Porque ela é você.
Eu sou você.
E essa retórica não é musica, mas são palavras.
Também poesia, também amor e fluxo, paixão e movimento.
Captações do coração. Arte.
Minha singela tentativa. De chegar a seus pés.




(e a partir de hoje, no more palavrões! Porque, cá entre nós... é muito feio mesmo!)

Friday, December 11, 2009

Venha

Essa tua tentativa de encontrar em mim aquele tempo em que o tempo parava e as palavras não eram necessárias, já se foi.
O tempo se foi, aquele quando minha carne era dura e meu corpo te envolvia e fazia tudo acontecer sem um mínimo de esforço teu.
Quando minha boca te sorria um sorriso forçado, quase que desesperado, e você fingia não perceber.
Foi-se o tempo em que eu fingia não saber.
Vou arrancar tua essência do teu peito.
Te fazer sangrar essa verdade fraca que compõe tua frágil e insincera argumentação.
Vou te fazer sorrir forçado. Cansar tua boca de vontade de falar algo que se escute.
Te escutar com sorriso largo e genuíno interesse.
Vou querer saber mais e te confundir.
Vou te enfrentar.
Vou te fazer se arrepender de ter aberto novamente a porta pra mim.
Achou que eu fosse entrar quieta, né?
Achou que eu tomaria cuidado pra não fazer barulho.
Vou te fazer pagar a conta, contar os minutos pra me ver de novo.
Te deixar frágil e febril.
Te deixar menino e te cobrar tua mais viva masculinidade.
Vou te fazer carinho pra te enganar.
E desprezar tua fragilidade.
Vou viver da alegria da tua presença, mas só depois que você fechar a porta.
Só quando a porta fechar, sorrir.

Ou simplesmente te ver de longe, te sorrir num doce aceno e te deixar passar.

Sunday, December 06, 2009

Mario e o centro de São Paulo na UTI


Está rolando agora, na praça Roosevelt, ato de apoio a Mario Bortolotto que foi baleado ontem à noite.


O centro de São Paulo está na UTI também, um morto-vivo imundo, fedendo a mijo, intoxicado de crack.




Enquanto isso...

O descaso de Kassab com moradores de rua e ações policiais sem continuidade: a cracolândia continua cracolândia.

Já faz cinco anos que o programa de revitalização do Centro, com verbas do BID, está quase parado. A prefeitura de Kassab paga multa ao banco por não utilizar os recursos. Os albergues no Centro são desativados e o número de moradores de rua aumenta. O projeto Boracea foi enviado para o lixo e os planos para a região da Luz não foram adiante, como no resto do Centro.

Enquanto isso, Kassab inaugurou várias vezes a Nova Luz e proclamou várias vezes o fim da cracolândia.

A realidade desmente Kassab, mas o mundo virtual da classe média, alimentada pelos factoides, conforta Kassab.

Essa classe média, alimentada por boa parte da mídia, não quer saber de realidade. Prefere ela travestida.

Hoje o tema da cracolândia está em todos os jornais, mas só AGORA mostrou o descaso da prefeitura e a falta de vagas nos albergues. O Estadão e JT já tinham alertado sobre o abandono do programa de revitalização do Centro e também sobre o fechamento das vagas nos albergues.

A Folha dedicou editorial a exigir mão firme contra os usuários de drogas e Serra fez uma blitz espetacular.

O espetáculo vai continuar, afinal o que interessa é o faz de conta… e as pesquisas. LF


Saturday, December 05, 2009

Qualquer coisa pra sexta-feira

Tem uma taça de vinho aqui na minha mão, você sabe.
E era pra ser compartilhada, você sabe.
Mas essas coisas são escolhidas, você bem sabe.

Só que mais uma vez escolhi estar aqui sozinha, bem antisocial, bem esquisita.
Sem querer saber do que se passa com o mundo lá fora.

Porque fiquei resfriada, meu corpo me pediu arrego.
Cansado da tensão e pressão do mundo.
Cansando das dúvidas, da insegurança. Desse medo besta e dúvida de se estar fazendo a coisa certa, para as pessoas certas, na hora certa, com as palavras certas.
Meu corpo está cansado dos movimentos certos.
Minha garganta cansada das pausas e silêncios forçados, pelo medo da palavra errada.
Meu cérebro cansado de analisar posturas e palavras e jogos e expectativas.
Meu espírito cansado de tentar adivinhar expectativas alheias.

Por isso o vinho aqui.
Por isso a música alta e a falta de vontade de ver qualquer ser desta cidade.

Na verdade, até queria.

Queria me lançar na noite suja, entrar num lugar escuro e denso. Com pessoas escuras e tensas.
Maquiagem nos olhos pra mascarar a solidão.

Mas sou pobre. Comprei um vinho de 24 reais e isso já é o bastante para uma sexta-feira. Porque já não gosto de vinhos muito baratos e com muito corante.
Sou tipicamente um personagem da classe média brasileira.
Aquele que é pobre, tem salário só pra pagar as contas, mas assiste a filmes franceses e se imagina, um dia, caminhando pelas ruas de Montmatre, já que lá viveram Picasso, Salvador Dali e Van Gogh. Só pra rolar uma sinergia.

Mas volto aqui pra minha cidade, São Paulo.
De onde moro, ouço a música, os carros, as motos aceleradas, as vozes aflitivas das garotas alteradas. E aquele típico som de máquinas, um eco constante de movimento, de vida.
Falta descanso aqui.

Me esforço pra ouvir o silêncio, que não vem nunca. Já me acostumei. Dou risada dos bêbados que falam do fim do mundo e das pessoas que os perseguem, coitados, sem deixá-los em paz.

Mas estou sem vontade. Resfriada e cansada.
Tomando esse delicioso vinho, coloco novamente um som que me agrade. Que me faça escutar o silêncio do caos. Ao menos aqui, o caos não entra.

Doce ilusão minha.

Porque chega um mosquito que fica zumbindo na minha orelha.

Daí lembro do convite que recusei de companhia pro vinho.

Recusei mesmo, por motivos tão existenciais quando todas as minhas indagações de ser ou não ser nesse mundo de conflitos existenciais. Sou uma mulher de regras mesmo. Nunca vi mulher com tantas regras como eu.
Tem que ser assim e assado. Tem que falar assim e assado.
Tem que querer assim. E não assado.
Tem que querer.
Feelings are intense. Words are trivial.