Sunday, March 23, 2014

Dança

Dancei.
Tentei me lembrar da última vez em que dancei desse jeito, solto.
Quadris soltos, braços, pés, pescoço.
O sorriso largo no rosto e os olhos fechados.
Desatando nós do destino. Lavando a rotina da alma.
Lembrei da Lelê porque com ela eu dançava assim. Era ela quem começava e eu a seguia, segura pela âncora de sua companhia.
Na maioria das vezes com blues.
Porque o blues tem essa coisa de arrancar a alma das profundezas e trazê-la à superfície.
Na frente de qualquer um ou em qualquer lugar: o quadril começa a mexer, dá aquela rebolada e um sorriso sacana se destaca no rosto.
É mais forte do que eu, não tem jeito.
Mas ontem eu estava sozinha.
Sozinha na noite, ouvindo um blues.
Pois que, como descrito acima, meus quadris começaram a mexer, dei uma rebolada pra cá, outra pra lá, pezinho levantou, pescoço girou e... me joguei na pista que nem sequer existia naquele lugar.
E, de olhos fechados, visualizei uma cena inédita e constatei uma realidade incrível: sou mãe!
Sou mãe!
Essa constatação, aparentemente sem propósito e deslocada, foi das mais reveladoras. Explico: Descobri que sendo mãe sou mais livre, mais mulher, mais foda-se-todo-mundo do que jamais fui em toda minha vida de pseudo-revoltadinha-libertária.
Fechei os olhos e sorri um sorriso tão largo e tão intenso de certeza de que finalmente nasci.
Me reencontrei.
Sou mãe!
Como se um ciclo tivesse se fechado e uma verdade tivesse saltado à minha frente: sou mãe e tenho uma família.
Tive a força e o grito pra parir meu filho, alimento-o com o líquido quente do meu seio.
Sou forte o bastante para educá-lo, acordar todas as noites, cantar músicas infantis com a mais empolgação e ter cocô embaixo da unha.
Noites em claro, peitos machucados, cólicas intermináveis, rupturas, afastamentos, reencontros. Cansaço físico, esgotamento emocional, tentativas, descobertas, súplicas.
Silêncios, sorrisos cúmplices, abraços.
Soluços, brinquedos, dias de chuva.
Medos, certezas e falhas.
Frustrações.
Amor.
Uma filho, uma família.
E, depois disso, por que eu precisaria de muleta pra dançar solta na noite?
Por que precisaria de companhia pra ter coragem de ser boba, infantil, imatura?
Por que teria vergonha de parecer ter 13 anos, dançando descabelada?
Dancei descabelada.
E esse foi o texto mais infantil que já escrevi.

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